A favela em que resido e faço pesquisa no momento tem um problema sério de falta de espaço. O adensamento e a verticalização das casas é uma realidade e as ruelas e becos se transformam em centros de lazer e entretenimentos locais.
Essa semana pude participar de um churrasco em pleno beco. Sim, tudo muito improvisado; desde a iluminação pública – praticamente inexistente, dependendo de um arranjo técnico local – à churrasqueira, passando pelas cadeiras e mesas, tudo arranjado, adaptado ao contexto e situação local. Isso tudo sem esquecer a maior dificuldade já mencionada: a falta de espaço, lembra?
Sim, foi divertido. Ficamos horas e horas batendo papo, com risadas e fumaça na porta dos vizinhos que não estavam participando e não tinham direito de reclamar do barulho ou do cheiro, pois, afinal de contas, “a rua é pública”, como disse uma nova interlocutora percebendo meu estranhamento e incômodo. Eu, particularmente, não gosto de ficar incomodando os outros, não conseguiria me divertir em paz, mas eu, particularmente, sou assim; muitas vezes penso mais nos outros do que em mim. Só que ali o contexto era outro, diversão nunca pode ser criticada se feita de forma familiar e saudável (segundo meus novos amigos).
Todos sabiam da minha pesquisa e ficavam me apresentando em tom jocoso a forma de se divertir e conviver... O convite aceito imediatamente por mim foi festejado! Dividir minhas experiências de pesquisas anteriores tomou conta da conversa naquela noite.
No cardápio linguiça, drumet de frango (asinha e coxinha da asa), pão com maionese e alho, e pratinho de arroz e macarrão temperados. Cerveja gelada dava o tom festivo da ocasião. Crianças brincando com bicicletas e bolas estavam presentes e faziam o clima mais alegre com suas risadas e intervenções criativas.
Durante o churrasco no beco passavam moradores chegando do trabalho, alguns vinham de outras festas e happy hours, passavam também traficantes com armas, com bolos de dinheiro ou sacos de drogas nas mãos. Eles nos cumprimentaram, assim que passaram pela gente, e um convite para uma festa de aniversário de um dos gerentes da boca foi feito e aceito por todos na hora. Fiquei empolgada.
Infelizmente acabei não indo, faltou companhia, local confiável para o evento e, decididamente, eu não poderia ir sozinha. Apesar da minha ansiedade em participar e ver de perto como ocorre tal comemoração tão inusitada para mim – aniversário do traficante em praça pública não é todo dia que a gente tem condições e possibilidade de participar.
Ficou para outro dia.
Marcamos outros encontros, dessa vez em um dos bares mais comentados da favela, onde nordestinos servem um famoso gurjão de peixe, confesso que estou ansiosa. O trabalho de campo corre bem, tem sido muito bem aceito pelos moradores da favela que se sentem empolgados em mostrar para mim o lado bom de viver em comunidade, que, apesar das diferenças e gravidade, encontram nos becos e ruelas a alegria de partilhar e compartilhar comida, risada e muita diversão.
Fonte: Diário de Classes C D e E
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